sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

- VIAGEM



-  VALORIZANDO MOMENTOS





Uma análise interessante quando se viaja com certa regularidade é comparar a perspectiva de interesses no planejamento da ida com a quantidade de lembranças da volta. Normalmente planejamos uma viagem baseado no que pretendemos ver e conhecer, incluindo paisagens, monumentos, museus. Mas quando retornamos, nossas melhores histórias não envolvem lugares.. Envolvem pessoas. Basta prestar atenção naquele papo de bar, junto com a família ou com a turma. Quando vamos contar algo interessante de uma viagem, normalmente o núcleo da narrativa está numa situação que envolve as pessoas do lugar visitado. Esta é uma dica para quando planejar uma viagem. Considere não apenas os lugares bonitos que irá conhecer, mas as características e a cultura do povo com quem irás conviver. Neste núcleo estarão nossas melhores histórias. Neste sentido, um dos lugares mais impressionantes que conheci foram os Templos da Civilização Kmer, no Camboja, incluindo o Templo de Angkor Vat. Estes monumentos religiosos impressionam pelo seu tamanho e estilo arquitetônico. Mesmo diante disso, sempre que me perguntam sobre o Camboja, a história que conto não envolve os templos, mas a figura isolada de uma velha senhora. Quando chegava ao Templo de Angkor Tom, após uma caminhada na floresta, percebi uma senhora idosa, sentada no chão, na entrada do templo, vendendo aquelas famosas “lembrançinhas made in China” que proliferam em todo lugar. Após uma hora de passeio, na saída, percebi que a senhora estava no mesmo lugar, na mesma posição e aparentemente com os mesmos objetos expostos, resultado de um programa de vendas não bem sucedido. Aproximei-me e percebi que ela vendia aquela inutilidade que são os ímãs de geladeira. Após uma certa dificuldade de comunicação, mesmo sem saber direito quanto iria pagar, peguei dois exemplares e dei-lhe uma nota de cinco dólares. Neste momento ela afastou uma espécie manto que a cobria e tentou pegar uma pequena bolsa para me dar o troco. Só então percebi que ela não tinha nem as mãos e nem os pés, que foram amputados. Descobri mais tarde que se tratava de uma das centenas de vítimas de minas terrestres que existem no Camboja, que literalmente tem seus membros explodidos, de forma cruel e aleatória. Isto ocorre principalmente com simples agricultores, quando estes estão trabalhando no campo. Voltando a cena, acho que fiquei alguns minutos olhando para ela, com os dois cotos de antebraço, segurando meu troco. E neste curto espaço de tempo pude perceber aquele rosto envelhecido, não só pelo tempo, mas também pela dor.. e sentir aquele olhar perdido que fulmina nosso coletivo de queixas simplórias e vaidades diárias inúteis. Não sei quanto dinheiro tinha na carteira. Certo que não era muito, mas rapidamente lhe dei todo o que tinha e peguei o saco de ímãs de geladeira. Conversando depois com o guia local, ele narrou que esta é a vida de muitos mutilados de minas. Sem previdência social ou ajuda governamental, a rotina da sobrevivência é passar o dia todo sentado, diante de um templo fantástico, vendendo quinquilharias chinesas para turistas desatentos. Incrível como a imagem daquela mulher está presente nas lembranças daquela viagem, e como ela participa de todas as conversas sobre o Camboja. Lembro que o templo Kmer era magnífico, mas lembro mais dos detalhes das mãos e pés ausentes do que da decoração de suas paredes. Ainda tenho vários ímãs de geladeira chinês, comprados no Camboja, que costumo presentear aos amigos, em situações especiais. Infelizmente os que ganham este presente não entendem o seu significado.. E a sua representação.. E isto também não é justo com aquela senhora.. Aliás, nada na vida parece ter sido justo com ela.. E como em quase todas as viagens, mais uma vez são as “pessoas” que dão significado aos lugares.