quinta-feira, 17 de novembro de 2011

- ALGO SOBRE EDUCAÇÃO PATRIMONIAL

A Educação Patrimonial e As Bolachinhas Tostines: Discutindo o Vazio

            Na busca de um entendimento sobre “Educação Patrimonial” fui colocado diante de alguns textos, cuja leitura me fizeram lembrar uma palestra ministrada pelo Prof. Lênio Streck, um dos mais brilhantes juristas do Brasil, em que ele apresentou uma teoria denomina “Princípio das Bolachinhas Tostines”. Relembrando aos mais novos a bolachinha Tostines tinha um slogan que afirmava serem estas sempre “fresquinhas”. Num certo comercial sobre estas bolachas, um indivíduo de comportamento estranho é colocado diante de uma prateleira vazia de um supermercado, questionando se “as bolachinhas Tostines são sempre fresquinhas porque não ficam muito tempo na prateleira ou elas não ficam muito tempo na prateleira porque são sempre fresquinhas?”. Vejam que estamos diante de uma discussão “muito” importante e que provavelmente nos levará a lugar algum.
            Pois ao ler dois textos de Maria de Lourdes Horta Barreto[1] me senti uma vítima do “Princípio das Bolachinhas Tostines”. Ou seja discutindo algo que não leva a lugar algum. Num primeiro texto, denominado “Educação Patrimonial” a autora se propõe a discutir a questão pedagógica do ensino centrado no objeto, reportando a importância histórica do uso da cultura material como fonte de estudo. Após apresentar três categorias de ensino baseada na cultura material, citando Schlereth (mas sem referência), e criando uma quarta, a autora conclui pelo “balanceamento equilibrado” de todas elas como meta final de um aprendizado. Ora, se me apresentassem quatro teorias sobre física quântica e me perguntassem como poderíamos desenvolver um processo pedagógico de ensino eu certamente responderia que o ideal seria a aplicação de um “balanceamento equilibrado” entre elas. Pensando bem se as teorias fossem sobre as formas de reprodução do dragão da Birmânia eu também responderia que o ideal talvez fosse um “equilíbrio balanceado” entre elas, adicionando um pouco de originalidade. Num segundo trabalho, intitulado Educação Patrimonial II, a autora mantém o tema da educação centrada no objeto, tratando da percepção sensorial das coisas (ps:  todas as percepções são sensoriais), o desenvolvimento do processo de identidade (os: na realidade é identificação) e a influência das motivações e das emoções neste processo. Este referencial teórico evoluía próximo ao tédio até o momento em que a autora abre uma súbita discussão sobre o desenvolvimento do pensamento baseado na teoria de Piaget e conclui que não é possível o aprendizado de vários significados ao mesmo tempo. Neste ponto o Princípio da “Bolachinha Tostines” encontrou sua aplicabilidade plena. Afinal, o que estamos discutindo aqui?
            Mudando de autor, Menezes[2] é apresentado como um texto de referência sobre educação em museus, o que para os que pretendem trabalhar na área deve ser considerado. Neste caso a intenção do autor (ou a falta de algo melhor) se manifesta no resumo do texto, quando este afirma que o objetivo do texto “..é abrir espaço para uma reflexão sobre questões importantes...”. Talvez eu sofra da “síndrome do pragmatismo”, temperada com uma boa dose de preconceito, mas quando um autor afirma num texto acadêmico que o seu objetivo é “abrir espaço para reflexão” eu no mínimo estou autorizado a trocá-lo por um que tente trazer pelo menos respostas às minhas reflexões. Espaços de reflexão eu já tenho bastante. Um pouco de resposta às vezes é bom e necessário. E o texto efetivamente é um pacotão de “bolachinhas Tostines”. Ele apresenta, de forma tendenciosa inclusive, que os museus não se lembram “jamais” de incluir entre suas responsabilidades o entendimento sobre os processos de construção da identidade e da memória. Ou que os mesmos apresentam a “informação” como um objetivo dominante, em detrimento da formação crítica. Apresenta a indústria cultural e o mercado consumista como fatores deletérios aos museus e questiona até a falta de especificidade destas instituições. Certamente estes tópicos se prestam para discussão, mas a sua citação simplória e não reflexiva não pode ser considerada de validade. Efetivamente o autor conseguiu abrir espaço no espaço aberto e mesmo que isso possa parecer genial para alguns, isso não o torna imune, no entanto, a uma avaliação mais crítica. O artigo de Menezes está longe de representar um texto que possa ser valorizado tanto na sua forma como em seu conteúdo. Utilizando uma linguagem com pretensões acadêmicas, procura  valorizar o conteúdo pela crítica, abandonando os princípios da clareza e da objetividade, que são os referenciais para artigos em periódicos ou capítulos de obras coordenadas por organizadores.
            Estes artigos, no seu conjunto ou individualmente, são um bom exemplo da crise que está atravessando a produção científica na Academia. Artigos de conteúdo inerme e metodologicamente inadequados ganham espaço ao se travestirem de uma linguagem parnasiana, que imputa a si um prestígio superior e inibe a manifestação daqueles que simplesmente buscam resultados objetivos através da comunicação baseada no entendimento. É a hegemonia da linguagem retórica em detrimento da discussão clara e sem conflito de interesses sobre os resultados. Considerando o objeto temático dos artigos e sua escolha como proposta pedagógica, certamente devem existir autores que consigam apresentar este contexto de forma mais clara, levantando os problemas pertinentes e inerentes à especialidade sem uma mistificação retórica estéril.
            Textos como estes me fazem lembrar uma das tramas principais do filme Sociedade dos Poetas Mortos, dirigido por Peter Weir. Numa cena marcante o professor John Keating  introduz um novo ideal pedagógico, mandando seus alunos arrancarem as folhas do Livro Introdução à Poesia, de Pritchard,  alegando tratar-se de um texto superado. Mais do que isso, Keating refere-se ao conteúdo destas folhas como sendo “excrementos”, nos indicando uma outra concepção de julgamento sobre os estudos que nos são apresentados como referencial acadêmico. Trata-se de uma metáfora em que a personagem busca valorizar o poder de análise dos não eruditos, assentando seu poder de crítica em princípios modernos de racionalidade. Obviamente não me cabe questionar o histórico acadêmico de profissionais como Horta e Menezes, mas assim como Mozart e Puccini produziram obras sofríveis, estes artigos referenciados talvez sejam um bom exemplo de “excrementos” produzido pela Academia e que infelizmente acabam sendo indicados como leitura de referência no meio acadêmico, principalmente no contexto da graduação.
            Trata-se portanto de uma leitura absolutamente dispensável para os que pretendem iniciar seus estudos em Educação Patrimonial. A dificuldade de leitura, a falta de consistência do texto e os equívocos metodológicos nos convidam a rasgar folhas ou a ir desenvolver uma atividade peripatética num parque.



[1] HORTA, Maria de Lourdes Parreiras. Licões das coisas o enigma e o desafio da educacão patrimonial. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, p. 220 a 233, n. 31, 2005.

[2] MENESES, Ulpiano Bezerra de. Educação e museus seducão, riscos e ilusões. Ciências e Letras, p. 91 a 101, n. 27, 2000

7 comentários:

  1. É o melhor blog de todos...
    Abraços

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  2. QUANTO ÓDIO NESSE CORAÇÃOZINHO, MY CAPTAIN!

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  3. - Anônimo III, meu coração não tem espaço pra ódios.. leia de novo o texto.. ele fala de "bolachinhas" e faz uma defesa intransigente da moeda mais valorizada que possuimos: o tempo.. vamos gastá-lo bem e aproveitar a vida, pois a cada dia temos menos moedas.. Captain my Captain, se não tá bom transgrida, revolucione, mude...

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  4. O TEXTO É REALMENTE MUITO BOM, MAS NÃO VIVEMOS PARA FAZER DEFESAS INTRANSIGENTES E SIM CONCESSÕES.. ISSO, ALIÁS, ME LEMBRA UMA FRASE DA SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS: "A POESIA, A BELEZA, O AMOR.. É PARA ISSO QUE VIVEMOS".

    SUCESSO NO TEU BLOG, MESTRE!

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  5. "discutir algo que não nos leva a lugar algum", então discuta algo que leve a algum lugar, Ó Grande Mestre das Verdades!
    Só não vale discussão para e com cadáveres!

    "Leitura dispensável" - Quando escolhemos um tema, nenhuma que aborde o tema é dispnsável, afinal, precisamos de consistência para criticar, discutir, construir e descontruir, mas que seja metodologicamente e não raivosamente.

    Abraço, Mestre das verdades!

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  6. Quantos anônimos numa página só!

    Eu concordo contigo!
    (e coloco o meu nome aqui, dã)

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